Privação de sono, isolamento social, falta de atenção, ansiedade. Essas são algumas das consequências da hiperconectividade, termo utilizado para descrever o hábito de estar conectado o tempo todo. Crianças e adolescentes do mundo todo estão sofrendo alterações sérias no desenvolvimento social e neurológico devido o uso indiscriminado de telas, com níveis alarmantes de desequilíbrio na saúde mental. No mundo extremamente conectado, no qual o celular auxilia em inúmeras atividades, saber quando as telas se tornam prejudiciais e passam a ser inimigas de um desenvolvimento saudável é o desafio.


Especialistas apontam que desde o início de 2010, as taxas de depressão, ansiedade e outros transtornos mentais crescem entre crianças e adolescentes, deixando pais em alerta quanto ao tempo que os filhos se expõem às telas. “A gente vê na prática que quando ela fica exposta ela fica irritada, ela demora pra dormir. A gente percebe que altera a rotina do sono, fica mais difícil colocar pra dormir, porque realmente mexe no funcionamento cerebral da criança”, relata a médica Larissa Freire, mãe da pequena Maria Helena, de 2 anos.

Ela diz que tenta manter uma rotina de atividades com a criança, em horários determinados, para evitar o excesso de telas. “Na hora que acaba de jantar ela pede pra ver algum desenho que gosta. Geralmente é a hora que a gente senta junto e vai assistir alguma coisa, mas a gente fica interpelando ela, tenta assistir junto para que ela saiba que a gente está vendo. A gente gosta de ter esse controle e também pra ficar instigando, perguntando”, explica.

Larissa afirma que busca orientar também a babá para que esse uso seja mínimo. “A gente orienta que, se ela pedir, vai brincar de outra coisa, mas não colocar. Para, pelo menos, quando ela pedir seja quando a gente [os pais] estiver em casa. Porque a gente não vai deixar passar um tempo exagerado, sabemos que tem prejuízo, cognitivo, de linguagem”.

Contudo, mesmo tentando controlar, não é fácil porque a menina também pede para assistir vídeos no celular. Dar o exemplo também é uma estratégia, por isso, a médica diz que tenta se policiar para ficar desconectada quando está com a filha. Contudo, se desligar do celular não é tão simples. O pai, por exemplo, trabalha com comunicação. “Então quando a gente está perto dela, tenta não ficar conectado, mas é difícil também porque tem o trabalho, que muita vezes é pelo celular que a gente tem que resolver alguma coisa”, relata a mãe.

É importante observar a idade da criança e adolescente, além de outros aspectos, na hora de impor limites para o uso das telas. A Sociedade Brasileira de Pediatria e a Sociedade Americana de Pediatria falam de proibição total de telas até os 12 anos. “A sociedade está indo ao encontro a tudo aquilo que a medicina coloca como prejudicial. Então hoje a gente fala que se for usar, seja controlado. Para crianças, por exemplo, o ideal é que não use mais do que 2h por dia e que todas as telas sejam retiradas a partir das 18h”, sugere o psicopedagogo Nery Adamy.

Ele afirma que é importante observar o isolamento dentro de casa na fase da pré e adolescência, se é diminuído o contato com os pais e irmãos. Além disso, se a interação presencial diminuiu e passou, por exemplo, a ser feita pelo celular, mesmo dentro de casa.

Cognição, aprendizagem e relacionamentos

O uso excessivo de telas pode causar grandes impactos na vida de crianças e adolescentes, de acordo com psicopedagogo Nery Adamy. Esses efeitos estão relacionados à cognição, aprendizagem e relacionamentos. “Tudo aquilo que é fora do mundo virtual deixa de ser interessante, então ele só consegue se relacionar de maneira virtual. Depois a gente já fala em uma questão de saúde mental, o jovem já pensa em abandono escolar, já não quer mais sair de casa”, analisa.


Adamy explica que os indicadores de dependência tecnológica estão subindo e influenciando nos quadros depressivos iniciais. “É muito comum observar crianças ansiosas e depressivas que têm atrelado a isso o uso excessivo de telas” relata o psicopedagogo.

A mudança de comportamento, do sono e do humor também influencia nas questões fisiológicas, mudando padrão alimentar e desregulando todo o organismo desses jovens. Outro impacto mencionado por Nery pode ser observado diretamente no cérebro. Segundo ele, na medida que se usa excessivamente o celular, principalmente redes sociais, ou games, há uma mudança no padrão do cérebro.

“A gente vê no eletroencefalograma, na região frontal, um excesso de ondas lentas. E isso vai trazer prejuízo de foco, prejuízo de atenção, vai aumentar o padrão de ansiedade e a gente vê muito que dependendo do tipo de mídia o padrão neural muda também”, diz Nery.

Dependendo do tipo de mídia mais usada pelo jovem no celular, é possível observar diferentes mudanças no padrão cerebral. Ele exemplifica citando que quem usa mais redes sociais, como o TikTok, que não tem tanto processamento de informações, sofre alterações na região frontal e meio da cabeça. Quando é observado o uso excessivo de games, além do prejuízo frontal, também ocorre o dano temporal.

Para os pais que já observam a dependência dos filhos com relação às telas, o psicopedagogo aconselha a busca por ajuda de um especialista. “Muitas vezes esse jovem está num nível de dependência tão grande, que se eu tiro o acesso dele às telas, corre o risco dele fazer automutilação, ou entrar num processo depressivo muito grande”, alerta o profissional.

A recomendação é pelo uso regulado das telas, com redução gradativa, substituindo o tempo em celular por outras atividades e interações sociais, como uma rotina com horários para atividades que sejam prazerosas e atrativas, como jogar bola, pedalar, jogos ou leitura. “O fundamental é o equilíbrio, não dá pra ter uma receita de bolo para todas as famílias pois cada uma tem uma dinâmica, cada escola tem uma dinâmica. O ideal, então, é aquilo que não atrapalha”, conclui.

By Nocast